Intimidade Quântica
Depois de desenroscarem
Você de mim e o seu do meu,
Ninguém saberá ao certo quem
Era aquele eu cujo meu era você.
Ao ato irão voltar
E mais completamente ignorar.
Robert Graves, The Thieves
Conhecer a si mesmo e não conhecer a si mesmo, ser quem se é e ao mesmo tempo fugir do que se é, ser independente e contido em si mesmo e, no entanto, reunir-se aos outros e sentir-se parte de algo maior que si mesmo ? estas são tensões que todos conhecemos.
Na filosofia, a mesma batalha se reflete na tensão entre os filósofos que argumentam que o indivíduo é tudo e o mundo a seu redor pouco importante (talvez até inexistente) e outros filósofos que procuram dizer que o indivíduo é nada, e que seu relacionamento com outras coisas e pessoas é o que importa.
A maioria de nós já passou por uma experiência como a dos amantes do poema de Graves, em que a intimidade entre nós e um outro foi tão completa a ponto de aparentemente apagar qualquer distinção entre os dois.
Diz-se que o mesmo tipo de ligação íntima existe entre o psicoterapeuta e seu paciente, que muitas vezes o terapeuta se vê sentindo sentimentos e pensando pensamentos que na verdade são de seus pacientes. Durante o tempo de cinqüenta minutos, os dois parecem partilhar em alguns momentos de uma identidade comum, parecem ser um corpo e uma mente. O mecanismo pelo qual isso ocorre é chamado "identificação projetiva" e é considerado um veículo de suma importância através do qual o terapeuta pode realmente conhecer em primeira mão os problemas inconscientes que seu paciente enfrenta. Durante algum tempo, até tornar-se consciente deles e de sua origem, ele experimenta os problemas do paciente como próprios.
Na empatia, sabemos que não somos a outra pessoa, mas também sabemos qual seria a sensação de ser aquela pessoa, de estar em seu lugar, tendo seus sentimentos. A empatia é uma forma de intimidade que podemos experimentar em relação a pessoas totalmente desconhecidas, assim como com aquelas que estão muito próximas. E há outros.
Todos os dias experimentamos uma pequena e passageira intimidade com outras pessoas ? quando um estranho responde ao nosso cumprimento numa rua do interior, quando partilhamos um sorriso com o estranho sentado ao nosso lado, ao vermos uma criança envergonhar sua mãe soltando algum comentário sobre uma mulher gorda ou um velho careca ?, momentos breves nos quais mesmo a companhia de pessoas estranhas toca nosso ser de alguma forma, invade as fronteiras de nossa individualidade e, ainda que timidamente, de alguma forma deixa ali suas marcas.
Nunca mais somos exatamente a mesma pessoa, tampouco o outro.
Muitas coisas de nossa experiência nos influenciam e nos modificam. Obviamente, a saúde e o funcionamento de nosso corpo, inclusive nosso cérebro, dependem da qualidade do alimento que ingerimos e de muitos fatores mutáveis de nosso ambiente externo. Da mesma forma, nosso ser, pensamentos e comportamento são continuamente influenciados pelos pensamentos e comportamentos dos outros, pelos membros de nossa família, pelos amigos e colegas. Somos influenciados pela cultura em geral ? pelos livros que lemos, filmes a que assistimos, música que ouvimos etc. Muito da imagem que fazemos daquilo que somos depende do contexto geral de nosso ser e, em grande parte, essas influências não são um mistério. Para explicá-las não precisamos de uma nova teoria da pessoa.
O isolamento cartesiano foi reforçado pela física de Newton, cujo conceito de matéria, como certo número de bolas de bilhar distintas e indivisíveis, complementou, por sua vez, as mentes separadas e indivisíveis de Descartes. A noção de relacionamento como um conjunto de influências externas operadas entre estranhos tornou-se paradigma para todo relacionamento.
(Modelo de Relacionamento - Visão Newtoniana)
Bolas de bilhar não se "encontram", não entram uma dentro da outra alterando-se mutuamente as qualidades internas. Não têm como fazê-lo, pois cada uma é sempre e somente ela mesma, totalmente impermeável a qualquer influência externa. Como as mentes de Descartes, elas se inter-relacionam apenas indiretamente, por meio de forças externas que fazem com que, de vez em quando, se atraiam, se rejeitem ou se choquem.
Durante a colisão sofrem um impacto e podem experimentar uma mudança de posição ou de momentum, mas permanecem as mesmas, antes, durante e depois da colisão. Seu relacionamento durante a colisão, a atração ou a repulsão é o que Sartre chamaria de uma "verdade contingente".
De fato, todo o paradigma cartesiano-newtoniano de indivíduos isolados, tendo apenas relacionamentos externos, contingentes, está no fundo de todo o pensamento existencialista sobre os relacionamentos interpessoais.
Todos vivem à sombra do cogito isolado de Descartes e das impenetráveis bolas de bilhar de Newton, sendo que a obra de cada um deles é, a seu modo, um desdobramento inevitável daqueles protótipos de separação.
"Eu sou singularmente eu, algo dentro de mim mesma que só eu posso ser, e sou também meus relacionamentos com os outros, algo maior que eu mesmo.
Como os sistemas de partículas elementares, também nós — nossas personalidades, nossos seres — somos sistemas quânticos. Em cada indivíduo, a física dos subseres sobrepostos pode ser facilmente vista como a sobreposição de padrões de onda no condensado de Bose-Einstein da consciência. Cada um de nós, enquanto pessoa, é um composto de subseres que também são um ser (uma unidade superior).
(Modelo de Relacionamento - Visão Quântica)
Seja como for, é fantástico como a mecânica ondulatória quântica se encaixa com aquilo que sabemos sobre os relacionamentos interpessoais, fazendo supor que há certamente uma base física de algum tipo para o fenômeno.
De forma similar, as pessoas envolvidas num relacionamento íntimo podem partilhar uma das características da outra, como na identificação projetiva, ou podem trocar características, como ocorre na inversão de papéis. Este último caso pode ser explicado como um fenômeno de ressonância quântica, em que dois sistemas casados (ou dois sistemas quânticos não-localmente relacionados), cada qual com sua oscilação característica, repentinamente trocam de oscilação. Nesse caso, eu me torno você e você se torna eu — algo que acontece corriqueiramente quando uma pessoa que esteve muito enraivecida começa a superar sua raiva exatamente no momento em que o outro se contagia, ou quando um dos membros de um casal contrai um mau hábito exatamente quando o outro consegue se livrar dele.
Meu relacionamento com os outros parece ser, sob muitos aspectos, uma extensão de meus relacionamentos com os subseres de meu próprio ser, que qualquer linha divisória definitiva entre mim e os outros, entre o eu e o não-eu, não será de grande significado. Não há modo claro de se saber onde termina o "eu" e onde começa o "você".
Essa capacidade de combinar verdadeira individualidade com relacionamentos peremptórios é um importante e único resultado de se ver as pessoas sob o ponto de vista mecânico-quântico. Não se perdem nem a individualidade nem os relacionamentos. Nenhum dos dois é mais primordial.
De forma semelhante, essa mesma dinâmica parece estar refletida ainda na experiência consciente partilhada pelas pessoas em algumas situações grupais — o contágio emocional de uma torcida de futebol, um comício político ou a "mente grupai", um fenômeno observado pelos psicoterapeutas que tratam de famílias inteiras ou de grupos de pessoas muito conhecidas entre si. Nestes casos as palavras de um membro do grupo parecem expressar os pensamentos não expressos do grupo inteiro.
Vendo-se o ser e seus relacionamentos sob um ponto de vista mecânico-quântico, abre-se um espectro de relacionamento e de comunicação entre o ser e os outros que vai do diálogo íntimo (sobreposição de funções de onda) entre subseres de meu próprio ser, passa pela ligação íntima entre mim e você com todas as variações e sabores possíveis e chega até a ligação que dá a alguns grupos a sensação de terem a mesma "cabeça" ou o mesmo "coração".
(Compilação: Estudos em Psicologia Transpessoal)
Nenhum comentário:
Postar um comentário